Wednesday, July 29, 2009

árvores de prata

a poeira na estrada
descansa em cor dourada
os braços retorcidos
contam os anos de pedra

há muito nessa terra

o fumo de corda ainda é
tempo e descanso
fumaça, só fumaça

acima das cores do sertão
plantaram seres estranhos

árvores de prata
e um mar de ondas de luz

cadáveres gigantes
atravessam o destino
de toda uma nação

tanta confusão
chega serpenteando
nos fios em ondas

medo e ganância

se conduz
nas redes,

redes de luz.

Friday, July 24, 2009

Desatino em movimento

Logo que entrei no carro e liguei o rádio constatei que iria chover durante todo o final de semana, como se não fosse suficiente, seriam os dias mais frios do ano. Eu já havia conversado com a minha mãe sobre o final de semana e não podia voltar atrás, tinha de ir visitá-la de qualquer forma. Durante o percurso, ainda dentro da cidade, sintonizei a radio em AM, costume que herdei do velho, a fim de saber sobre o clima que faria no interior do estado. Mesmo antes de sair da cidade já começavam a falar sobre as torpezas econômicas do país, e busquei por um CD que pudesse acompanhar essa viagem solitária. Stan Getz, The Bossa Nova Years. Ideal para um momento de reflexão.

É, esse CD é muito bom mesmo, já começa com desafinado, que fiz questão de cantar fazendo jus a letra. Que momento. Olhando no retrovisor ainda podia ver as luzes altas, o mar de estrelas douradas. O sax é hipnótico. O violão transcendental. Bem que gostaria de acompanhar esse afino musical, os altos e baixos e viradas... Sou só contemplação.

Quando chegar a Rio Claro tenho que ligar para o Garça e contar sobre o filme que assisti essa semana, Bird, a vida de Charlie Parker. Qual era a frase que me fez chorar? Algo com mártir. Charlie era alcoólatra, viciado, deprimido. Tinha apenas trinta e quatro anos quando conquistou seu destino. Eu tive sorte, creio. Ao contrário de muitos, consegui elevar o sublime em minha vida, ocupei bem meu tempo, deixei o confusionismo de lado, nada de martirização.

O Pato! Essa levada só pode ser brasuca. Dá pra sentir as ondas do mar. Increíííble! É verdade que tenho ficado cada dia mais solitário, e esse gosto pelo sublime não é lá um atributo que os jovens valorizam. Independente disso, acho que é melhor mesmo que fique sozinho, nesse banker anti-superficialismo; não quero me martirizar. Ainda tenho muito a sonhar. Não deve acabar tão cedo.

Acho que ando muito sentimental mesmo, qualquer filminho me faz chorar. Não deve ser mal. Pena que não tenho com quem compartilhar esse sentimento. Mesmo se tivesse, iria compreender? Provavelmente não. É como se estivesse num período de silencio social, vivendo sem escutar direito o que minha época diz, sonhando profundamente com o próximo momento. Aquele que vem com a musica, a poesia, o cinema. As lágrimas. O suspiro. Insensatez! Caramba, essa chuva só faz tudo ficar mais bonito. É aquela tristeza alegre, como quando uma pessoa querida se vai, mas que sabe que foi para melhor. É aquela pureza que não enxergamos com os olhos, e que quando sentimos, é tão impossível de transmitir que nem mesmo a telepatia seria fiel à melodia.

Já devo estar por perto, quantos pedágios passei mesmo? Três? Quatro? Pelo menos essa chuva está parando. O noticiário disse que ia ficar nublado todo final de semana. Que nostalgia. É só chover que eu choro. É realmente uma forte presença divina. Ainda bem que esse CD não tem voz, há uma pureza diferente nas musicas instrumentais. Com certeza as palavras diminuem qualquer sentimento. Até mesmo as mais belas poesias, coitadas, foram compactadas em palavras, códigos, miséria. A natureza é séria quanto a sua poesia, não lhe faltam expressões. Nós humanos, somos tão pobres, tão míopes, já nascemos mortos.

Wednesday, July 15, 2009

Cadáver Esquisito

Esse lugar que me encontro
É apenas uma condição
Onde nem mesmo as palavras ou pensamentos
Podem tomar seu corpo
Pois na simplicidade de se alimentar, tal como deve ser,
Existe a libertação acorrentada pela razão
Que infeliz somos em nosso expressar.
Com quanta apatia se faz um corrupto?
Deixei morrer aqui, no lugar que me encontro
Sem verdades, sem um pingo de emoção
Fui tomado pela miséria
Em formatos e formulas da beleza
Pompas e bromas
Apenas balbucios insossos
Solenes verbetes estranhos
Irrealidades aprisionadas
Inverdades!
Palavras, palavras...
Onde as deixei cair?
Um túmulo aberto de profanações
Odores perfeitamente reais
Desde sempre amarrados
À inconclusões, insatisfações.
Desejos...
Meus pecados, minha prisão

Joguetes de merda
Que arranham minha imaginação por pura prescrição
Arrastam meu ser ao solo
Cavam o buraco que lhes pertence
E me jogo na frente, pois só eu existo
Só eu posso me enterrar
Só eu posso envenenar minha saliva
Canibalizar minha carne
Selar corpo e alma
Em parecer tão imundo
Tão hipócrita, tão não eu.
Mas que veludo gostoso, dizem eles
Mas que belo chapéu.
Me corrompo ao mínimo elogio
À mínima exaltação caridosa.
O que calenta é profano
É desfigurado, é podridão
É merda no ventilador
Em profunda repressão
Teatro empelucado
Morto, vivo, zumbi estranho
Que corre em nosso sangue.

Esse jogo não tem dados
É xadrez sem regras
Música sem partitura
Pura interpretação.