Friday, July 24, 2009

Desatino em movimento

Logo que entrei no carro e liguei o rádio constatei que iria chover durante todo o final de semana, como se não fosse suficiente, seriam os dias mais frios do ano. Eu já havia conversado com a minha mãe sobre o final de semana e não podia voltar atrás, tinha de ir visitá-la de qualquer forma. Durante o percurso, ainda dentro da cidade, sintonizei a radio em AM, costume que herdei do velho, a fim de saber sobre o clima que faria no interior do estado. Mesmo antes de sair da cidade já começavam a falar sobre as torpezas econômicas do país, e busquei por um CD que pudesse acompanhar essa viagem solitária. Stan Getz, The Bossa Nova Years. Ideal para um momento de reflexão.

É, esse CD é muito bom mesmo, já começa com desafinado, que fiz questão de cantar fazendo jus a letra. Que momento. Olhando no retrovisor ainda podia ver as luzes altas, o mar de estrelas douradas. O sax é hipnótico. O violão transcendental. Bem que gostaria de acompanhar esse afino musical, os altos e baixos e viradas... Sou só contemplação.

Quando chegar a Rio Claro tenho que ligar para o Garça e contar sobre o filme que assisti essa semana, Bird, a vida de Charlie Parker. Qual era a frase que me fez chorar? Algo com mártir. Charlie era alcoólatra, viciado, deprimido. Tinha apenas trinta e quatro anos quando conquistou seu destino. Eu tive sorte, creio. Ao contrário de muitos, consegui elevar o sublime em minha vida, ocupei bem meu tempo, deixei o confusionismo de lado, nada de martirização.

O Pato! Essa levada só pode ser brasuca. Dá pra sentir as ondas do mar. Increíííble! É verdade que tenho ficado cada dia mais solitário, e esse gosto pelo sublime não é lá um atributo que os jovens valorizam. Independente disso, acho que é melhor mesmo que fique sozinho, nesse banker anti-superficialismo; não quero me martirizar. Ainda tenho muito a sonhar. Não deve acabar tão cedo.

Acho que ando muito sentimental mesmo, qualquer filminho me faz chorar. Não deve ser mal. Pena que não tenho com quem compartilhar esse sentimento. Mesmo se tivesse, iria compreender? Provavelmente não. É como se estivesse num período de silencio social, vivendo sem escutar direito o que minha época diz, sonhando profundamente com o próximo momento. Aquele que vem com a musica, a poesia, o cinema. As lágrimas. O suspiro. Insensatez! Caramba, essa chuva só faz tudo ficar mais bonito. É aquela tristeza alegre, como quando uma pessoa querida se vai, mas que sabe que foi para melhor. É aquela pureza que não enxergamos com os olhos, e que quando sentimos, é tão impossível de transmitir que nem mesmo a telepatia seria fiel à melodia.

Já devo estar por perto, quantos pedágios passei mesmo? Três? Quatro? Pelo menos essa chuva está parando. O noticiário disse que ia ficar nublado todo final de semana. Que nostalgia. É só chover que eu choro. É realmente uma forte presença divina. Ainda bem que esse CD não tem voz, há uma pureza diferente nas musicas instrumentais. Com certeza as palavras diminuem qualquer sentimento. Até mesmo as mais belas poesias, coitadas, foram compactadas em palavras, códigos, miséria. A natureza é séria quanto a sua poesia, não lhe faltam expressões. Nós humanos, somos tão pobres, tão míopes, já nascemos mortos.

5 comments:

Emely said...

Nossa que bom texto pra se ler numa manha de segunda feira chuvosa!

=)

Non je ne regrette rien: Ediney Santana said...

es um héroi- sintonizei a radio em AM-

Thata said...

Perfeito!!! Suas palavras não diminuíram nenhum sentimento, pelo contrário...

tomazmusso said...

é uma daquelas coisas que a gente nunca sabe se foi inventado ou se aconteceu mesmo, e eu adoro isso, prq na verdade a invenção é pura dança na pele real, é unha e carne...
muito bom o blog, virei freguês e quem sabe um dia, comparsa.
valeu! abraço

zi said...

bonito...

mas é...infelizmente estamos limitados a descrever o indescritível por meio de palavras..palavra: a primeira armadilha..que pode significar tanto mas pode não significar nada..

que parece que nunca vai ser suficiente pra transmitir o que se sente, o que se vê, o que se ouve..que não vai ser tão intenso quanto estar vivo e sentindo e vendo e ouvindo...

apesar dos códigos e delimitações, o importante é transmitir - pelo menos tentar transmitir..alguém sempre vai conseguir sintonizar alguma coisa..